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Disreflexia Autonômica durante Urodinâmica: Uma Revisão Sistemática da Incidência e Preditores

Autores do Artigo: 

Yash Khanna, Tran Ngoc An Huynh, Paul Manohar

Journal

Continence

Data da publicação

Outubro 2025

Autor do Resumo

Editor de Seção

  

Introdução

A disreflexia autonômica (DA) é uma condição grave que afeta indivíduos com lesão medular (LM), caracterizada por uma desregulação do sistema nervoso autônomo que leva a uma resposta simpática descoordenada. Essa resposta é desencadeada por estímulos nocivos abaixo do nível da lesão medular e pode resultar em hipertensão arterial grave, cefaleia, diaforese (sudorese), distúrbios visuais e congestão nasal. Se não tratada, a DA pode ter consequências ameaçadoras à vida, como edema pulmonar, acidente vascular cerebral e convulsões. O diagnóstico de DA é definido pelo Consenso ISAFSCI (International Standards to document Autonomic Function following Spinal Cord Injury) como um aumento da pressão arterial sistólica (PAS) em pelo menos 20 mmHg acima do valor basal. Intervenções urológicas, incluindo a investigação urodinâmica (UDS), são gatilhos comuns para DA. Dada a importância da UDS na avaliação da disfunção do trato urinário inferior em pacientes com LM, compreender a incidência e os preditores de DA durante esses procedimentos é fundamental.

Objetivo

O objetivo desta revisão sistemática foi determinar a incidência e os preditores de disreflexia autonômica durante a investigação urodinâmica em pacientes com lesão medular.

Desenho do estudo

Revisão sistemática e meta-análise, conduzida de acordo com as diretrizes PRISMA e registrada prospectivamente no PROSPERO (ID CRD420251000507).

Período de inclusão

A busca sistemática foi realizada em junho de 2025, sem restrição de ano de publicação dos artigos incluídos.

Materiais e Métodos

A busca bibliográfica foi realizada nas bases de dados OVID Medline, Embase, Web of Science Core Collection e CINAHL. Os termos de busca incluíram "Autonomic Dysreflexia" ou termos relacionados a lesão medular, combinados com "Urodynamics". Listas de referências de artigos relevantes também foram revisadas, e literatura cinzenta (como anais de conferências) foi considerada.

Dois revisores independentes realizaram a triagem de títulos, resumos e textos completos. Divergências foram resolvidas por um terceiro revisor. A extração de dados incluiu características do estudo (ano, tipo, população, tamanho da amostra, metodologia, definição de DA utilizada e tipo de monitoramento cardiovascular/pressão arterial), incidência de DA e preditores.

A qualidade e o risco de viés dos estudos foram avaliados usando a Ferramenta de Avaliação de Qualidade do NIH para Estudos de Coorte Observacionais e Transversais. Devido à significativa heterogeneidade nas populações de pacientes e nas definições de DA entre os estudos, não foi possível realizar uma meta-análise estatística; optou-se por uma síntese narrativa dos resultados.

 

Desfechos

O desfecho primário foi a incidência de disreflexia autonômica durante a urodinâmica. Os desfechos secundários incluíram a identificação de fatores de risco e preditores para o desenvolvimento de DA durante o procedimento.

Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes

Os critérios de inclusão foram: 1) estudos em humanos com pacientes com LM submetidos a urodinâmica, e 2) resultados que incluíssem a incidência de DA e/ou seus preditores/fatores de risco.
Os critérios de exclusão foram: 1) relatos de caso ou descrições de dispositivos médicos isolados, 2) foco em condições neurológicas diferentes de LM (como espinha bífida, paralisia cerebral, AVC), 3) foco em outras investigações urológicas sem urodinâmica (como cistoscopia isolada), e 4) foco em outros desfechos/complicações (como infecção do trato urinário).

Resultados

Dos 2.098 artigos únicos identificados, 21 foram incluídos na revisão sistemática. Treze desses estudos relataram a incidência de DA durante a urodinâmica, com resultados amplamente variáveis (7,9–90,9%).
  • Em estudos com LM acima de T6, a incidência de DA variou de 42,5–83,7%.
  • Em estudos com LM abaixo de T6, a incidência variou de 5,9–82,3%.
Essa heterogeneidade foi atribuída principalmente às diferentes definições de DA e aos métodos de monitoramento cardiovascular (monitoramento intermitente versus batimento a batimento).
Preditores de DA:
  • Nível da Lesão: O nível da lesão foi o preditor mais consistente, com lesões mais altas (especialmente cervicais) associadas a um risco significativamente maior de DA. No entanto, a DA foi observada em pacientes com lesão abaixo de T6, embora a magnitude das alterações cardiovasculares pudesse ser menor.
  • Completude da Lesão: A completude da lesão (classificação ASIA) não previu a incidência de DA, mas influenciou a sua gravidade, com lesões completas (ASIA A) associadas a maiores elevações da PAS e quedas da frequência cardíaca.
  • Duração da LM e Idade: Os resultados foram variáveis, com alguns estudos não encontrando associação e outros sugerindo que pacientes mais jovens podem apresentar quedas mais acentuadas da frequência cardíaca durante a DA.
  • Achados Urodinâmicos: A relação entre achados urodinâmicos (hiperatividade do detrusor - DO, complacência, dissinergia detrusor-esfincteriana - DSD e pressões do detrusor) e a incidência de DA foi inconsistente entre os estudos. Alguns estudos maiores encontraram associação entre DO e DA, enquanto outros não.
Uma proporção significativa de DA (38-63% nos estudos revisados) foi assintomática ou "silenciosa", ressaltando a necessidade de monitoramento objetivo.

Conclusão do Trabalho

A incidência de disreflexia autonômica durante a urodinâmica em pacientes com lesão medular é alta, especialmente em lesões acima de T6. O nível da lesão é um forte preditor da DA. Há uma alta proporção de DA assintomática, sugerindo a necessidade de monitoramento cardiovascular contínuo durante a urodinâmica. A heterogeneidade nas definições de DA e nas metodologias de monitoramento dificulta a comparação entre os estudos, e futuras pesquisas prospectivas com definições padronizadas são necessárias para identificar preditores de forma mais conclusiva.

Comentário Editorial

Esta revisão sistemática oferece uma visão crítica e abrangente sobre um tema de extrema relevância na prática neuro-urológica: a disreflexia autonômica (DA) durante estudos urodinâmicos. A alta incidência de DA, especialmente em lesões medulares acima de T6, e a descoberta de uma proporção significativa de eventos assintomáticos, sublinham a necessidade de vigilância rigorosa durante esses procedimentos.

 

A principal implicação prática deste estudo é a recomendação de um monitoramento cardiovascular mais robusto e contínuo durante a urodinâmica em pacientes com lesão medular, especialmente aqueles com lesões acima de T6. A dependência de sintomas auto-relatados ou de monitoramento intermitente pode subestimar a ocorrência e a gravidade da DA, expondo os pacientes a riscos desnecessários. Além disso, a manutenção da vigilância em pacientes com lesões abaixo de T6 é importante, pois a DA ainda pode ocorrer nesse grupo, embora com menor frequência ou intensidade. A compreensão de que a completude da lesão pode influenciar a gravidade da DA, mesmo que não a incidência, é crucial para o manejo intraprocedural.

 

As conclusões deste trabalho também apontam para importantes direções para pesquisas futuras:

  1. Padronização: Há uma clara necessidade de padronização da definição de DA (preferencialmente utilizando a definição ISAFSCI) e dos protocolos de monitoramento cardiovascular em estudos futuros. Isso permitirá uma comparação mais confiável dos resultados e a realização de meta-análises mais robustas.
  2. Mecanismos Preditivos: A elucidação dos mecanismos biológicos e neurofisiológicos subjacentes aos preditores de DA ainda é um campo aberto. Estudos que investiguem como diferentes achados urodinâmicos se correlacionam com a ativação autonômica, ou o desenvolvimento de ferramentas de triagem baseadas em risco (como a análise da variabilidade da frequência cardíaca mencionada na discussão do artigo), podem otimizar a identificação de pacientes em maior risco.
  3. Ensaios Prospectivos: A maioria dos estudos revisados era retrospectiva. Ensaios clínicos prospectivos, randomizados e controlados são essenciais para confirmar os preditores identificados e para avaliar a eficácia de intervenções preventivas ou de tratamento rápido da DA durante a urodinâmica.

Este estudo serve como um lembrete valioso da complexidade da neuro-urologia e da importância de uma abordagem baseada em evidências para garantir a segurança e a eficácia dos procedimentos diagnósticos em populações vulneráveis.

Referência

Khanna Y, Huynh TNA, Manohar P. Autonomic dysreflexia during urodynamics: a systematic review of incidence and predictors. Continence. 2025;102288. doi: 10.1016/j.cont.2025.102288.

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