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Impacto do rastreamento com PSA sobre mortalidade por câncer de próstata - Análise final do estudo ERSPC com 23 anos de seguimento

Autores do Artigo: 

Monique J. Roobol et al.

Journal

The New England Journal of Medicine

Data da publicação

Outubro 2025

Autor do Resumo

Editor de Seção

  

Introdução

Em outubro de 2025 foi publicado no The New England Journal of Medicine a análise final do European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC), iniciado em 1993, que avaliou se uma estratégia padronizada de rastreamento com antígeno prostático específico (PSA) seria capaz de reduzir a mortalidade por câncer de próstata em homens de 55 a 69 anos quando comparada à ausência de rastreamento sistemático. A hipótese central era que o rastreamento periódico detectaria mais tumores em estádios iniciais e, ao longo do tempo, isso se traduziria em menos mortes por câncer de próstata, ainda que ao custo de sobrediagnóstico e de procedimentos desnecessários. Com 23 anos de seguimento, o estudo mostra uma redução relativa de 13% nas mortes por câncer de próstata e uma melhora na relação benefício–dano, reforçando o argumento de que o rastreamento é importante se for bem direcionado. Confira abaixo mais detalhes do estudo.

Objetivo

Determinar, após seguimento mediano de 23 anos, o efeito de uma estratégia organizada de rastreamento com PSA sobre a mortalidade específica por câncer de próstata, além de reavaliar o excesso de diagnósticos e o número necessário para convidar e para diagnosticar, comparando com as análises anteriores de 16 anos.

Desenho do estudo

Ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de base populacional, conduzido em oito países europeus, comparando homens convidados a participar de rastreamento seriado com PSA versus homens não convidados. A análise atual é feita segundo o princípio de intenção de rastrear e foca no grupo etário central de 55 a 69 anos.

Número de pacientes

Foram incluídos 162.236 homens de 55 a 69 anos: 72.888 alocados para o grupo convidado ao rastreamento e 89.348 para o grupo controle. A idade mediana na randomização foi de 60 anos. O número de homens no grupo controle (≈ 89 mil) foi maior que no grupo convidado ao rastreamento (≈ 73 mil) porque alguns centros usaram um esquema de randomização não simétrica, principalmente o centro da Finlândia.

Período de inclusão

O estudo começou em 1993 e o seguimento foi truncado em 31 de dezembro de 2020 ou 23 anos após a randomização, o que ocorresse primeiro.

Materiais e Métodos

Os participantes do grupo de rastreamento foram convidados a realizar PSA em intervalos predominantemente de 4 anos (2 anos na Suécia e França, 7 anos na Bélgica), até idade máxima entre 71 e 74 anos conforme o centro. O ponto de corte principal para indicação de biópsia foi de 3,0 ng/mL, exceto em alguns países que usaram 4,0 ng/mL com testes complementares. A adesão à biópsia após PSA positivo foi de 89%. O desfecho primário foi mortalidade por câncer de próstata, determinada por comissões cegas ao grupo de alocação. A análise estatística utilizou regressão de Poisson e métodos de riscos competitivos, com cálculo de número necessário para convidar (NNC) e número necessário para diagnosticar (NND), estimados por bootstrap. O processo de randomização variou entre os centros. Em países como Finlândia e Holanda, utilizou-se a randomização do tipo Zelen, na qual os indivíduos eram randomizados antes de qualquer contato: apenas aqueles designados ao grupo de intervenção recebiam o convite para participar do rastreamento, enquanto o grupo controle não era informado e seguia com o cuidado usual. Essa estratégia visava reduzir recusas e tornar o estudo mais representativo da prática populacional. Já em outros centros (Suécia, Itália, Bélgica), adotou-se a randomização convencional, após consentimento.

Desfechos

O desfecho primário foi a mortalidade específica por câncer de próstata. Desfechos secundários incluíram incidência de doença avançada (metástase linfonodal, óssea ou PSA >100 ng/mL), incidência de câncer por categoria de risco, mortalidade por outras causas, excesso de diagnósticos e análise dos homens que chegaram ao limite etário sem diagnóstico de câncer.

Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes

Foram elegíveis homens de 50 a 74 anos pertencentes às populações cobertas pelos registros nacionais, mas a análise atual se restringe ao grupo de 55 a 69 anos. Foram excluídos os centros franceses, por baixa adesão e seguimento insuficiente. A randomização foi do tipo Zelen em alguns países, realizada antes do consentimento, o que aumenta representatividade mas introduz heterogeneidade entre centros.

Resultados

Após 23 anos de seguimento, a incidência cumulativa de câncer de próstata foi de 14% no grupo rastreado e de 12% no grupo controle, com razão de taxas de 1,30 (IC95% 1,26–1,33), correspondendo a 27 casos adicionais por 1.000 homens convidados. Esse excesso ocorreu principalmente às custas de tumores de baixo risco (razão 2,14), enquanto a incidência de doença avançada foi menor (razão 0,66).

A mortalidade específica por câncer de próstata foi de 1,4% no grupo rastreado e de 1,6% no grupo controle, com razão de taxas de 0,87 (IC95% 0,80–0,95), indicando uma redução relativa de 13% e uma redução absoluta de 0,22 ponto percentual (IC95% 0,10–0,34).

O número necessário para convidar foi de 456 homens (IC95% 306–943) e o número necessário para diagnosticar foi de 12 (IC95% 8–26), ambos melhores do que na análise de 16 anos (628 e 18, respectivamente).

Duração do seguimento Redução absoluta do risco Número necessário para convidar Número necessário para diagnosticar
9 anos 0,05 1919 73
11 anos 0,10 1041 36
13 anos 0,12 803 27
16 anos 0,16 628 18
23 anos 0,22 456 12

A mortalidade por outras causas foi idêntica entre os grupos (49%). Entre os homens que atingiram a idade-limite sem diagnóstico de câncer, o benefício do rastreamento persistiu por alguns anos, mas desapareceu cerca de seis anos após o término dos convites.

Conclusão do Trabalho

O seguimento de 23 anos confirma que o rastreamento organizado com PSA reduz mortes por câncer de próstata e que, com o passar do tempo, a relação benefício–dano se torna mais manejável, já que o ganho absoluto de mortalidade aumenta enquanto o excesso de diagnósticos diminui. Ainda assim, a taxa de exames e biópsias desnecessárias permanece elevada, reforçando a necessidade de modelos de rastreamento baseados em risco e integrados a métodos de imagem.

Comentário Editorial

A publicação do seguimento final do ERSPC teve ampla repercussão na comunidade oncológica e urológica internacional, incluindo editoriais no ASCO Post, ESMO Daily Reporter, BMJ e ecancer. De modo geral, os comentários reconheceram que o rastreamento com PSA “salva vidas”, mas ressaltaram o custo do sobrediagnóstico. Apesar de a redução relativa de mortalidade ter diminuído de 20% para 13% em relação à análise anterior, o ganho absoluto aumentou, e o número necessário para convidar caiu de 628 para 456, tornando o benefício comparável ao de programas de rastreamento de mama ou colorretal. No Reino Unido, o resultado reacendeu o debate sobre um programa nacional de rastreamento de próstata.

Entretanto, o estudo tem limitações importantes. O protocolo utilizou apenas PSA isolado, biópsia transretal sistemática e ausência de estratificação pré-biópsia. As abordagens modernas com ressonância magnética e modelos de risco já demonstraram reduzir sobrediagnóstico sem perda de detecção de tumores agressivos. Além disso, houve heterogeneidade entre centros (intervalos e pontos de corte diferentes), exclusão da França por baixa adesão e contaminação por rastreamento oportunístico no grupo controle, especialmente em países como Finlândia e Holanda. Também se deve considerar que avanços terapêuticos contemporâneos — cirurgias menos mórbidas, radioterapia mais precisa e vigilância ativa — tornam o balanço benefício–dano potencialmente melhor do que o observado no ERSPC. Outro ponto é a dificuldade de determinar com precisão a causa de morte em seguimentos longos, o que pode introduzir incerteza na estimativa de mortalidade específica.

O ERSPC segue como o estudo mais robusto em favor do rastreamento organizado com PSA. Hoje, o debate deve se deslocar de “rastrear ou não rastrear” para “como rastrear melhor e em quem”, incorporando valor do PSA, testes derivados como o 4Kscore e o PHI, fatores genéticos e métodos de imagem como elementos de personalização da decisão.

Referência

Roobol MJ, de Vos II, Månsson M, Godtman RA, Talala KM, den Hond E, et al. European Study of Prostate Cancer Screening — 23-Year Follow-up. The New England Journal of Medicine. Published online October 30, 2025. doi:10.1056/NEJMoa2503223.

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