
Relação entre o uso de álcool e a doença da bexiga hiperativa: um estudo transversal do NHANES 2005–2016
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Introdução
A síndrome da bexiga hiperativa (BHA) é uma condição urológica prevalente que impacta significativamente a qualidade de vida dos indivíduos afetados, resultando em restrições nas atividades diárias e na produtividade. O álcool é conhecido por seu efeito diurético, o que significa que aumenta a produção de urina e pode, teoricamente, agravar a urgência e a frequência urinária. Diversos estudos investigaram a associação entre o consumo de álcool e os sintomas de BHA, mas os resultados têm sido inconsistentes. Este estudo buscou investigar essa relação utilizando uma grande amostra representativa nacionalmente.
Objetivo
O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre o consumo de álcool e os sintomas de bexiga hiperativa (BHA) utilizando uma grande amostra representativa nacionalmente, visando fornecer insights sobre o papel potencial do álcool no desenvolvimento e exacerbação dos sintomas de BHA.
Desenho do estudo
Estudo transversal utilizando dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) dos anos de 2005 a 2016.
Número de pacientes
Um total de 7.805 participantes foram incluídos na análise, representando uma população ponderada de aproximadamente 1.473.525.341 indivíduos nos EUA.
Período de inclusão
Os dados foram obtidos de 6 ciclos bienais do NHANES, abrangendo o período de 2005 a 2016. Esses anos foram selecionados especificamente por incluírem perguntas sobre o uso de álcool e sintomas urinários.
Materiais e Métodos
Os dados para este estudo foram obtidos do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), um levantamento contínuo e abrangente da saúde populacional realizado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Foram incluídos participantes com mais de 20 anos que completaram questionários sobre condições renais e uso de álcool.
A avaliação da bexiga hiperativa foi realizada por meio do Overactive Bladder Symptom Scale (OBSS). Um escore total de ≥3 no OBSS indicou o diagnóstico de BHA.
A medição do uso de álcool foi obtida a partir do questionário de uso de álcool, que foi administrado por entrevistadores treinados. As perguntas abordavam a frequência (nunca, 1-5 drinks/mês, 5-10 drinks/mês, 10+ drinks/mês) e a quantidade de consumo de bebidas alcoólicas, que foi classificada em quatro quartis (Q1: <1 dose, Q2: 1-6 doses, Q3: 6.25-24 doses, Q4: >25 doses).
A análise estatística foi realizada utilizando o pacote estatístico R (versão 4.1.2), incorporando o complexo desenho amostral do NHANES para garantir a representatividade dos resultados. Foram empregadas análises de regressão logística univariada e multivariada para investigar a associação entre o uso de álcool e a ocorrência de BHA, e um modelo de regressão logística ordinal para examinar a relação com a gravidade da BHA. Os modelos ajustados consideraram diversas covariáveis demográficas e clínicas, incluindo idade, sexo, raça, estado civil, nível educacional, renda, índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura, hipertensão e diabetes.
Desfechos
Os desfechos primários avaliados foram a presença e a gravidade dos sintomas de BHA em relação à frequência e quantidade de consumo de álcool.
Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes
- Critérios de Inclusão: Participantes com mais de 20 anos que completaram tanto o Questionário de Condições Renais quanto o Questionário de Uso de Álcool do NHANES.
- Critérios de Exclusão: Participantes com menos de 20 anos e aqueles sem informações completas sobre sintomas de BHA, uso de álcool, dados demográficos, hipertensão ou diabetes.
Resultados
Aproximadamente 12,4% da amostra ponderada relatou ter BHA. Indivíduos com BHA apresentaram maior IMC, maior proporção de mulheres (59% versus 46% no grupo sem BHA), idade mais avançada (média de 55 anos versus 44 anos no grupo sem BHA) e uma proporção maior de não bebedores em comparação com o grupo sem BHA (12% versus 7,4%).
Na análise multivariada totalmente ajustada (considerando idade, sexo, raça, estado civil, renda, nível educacional, IMC, circunferência da cintura, hipertensão e diabetes), apenas o grupo que consumia mais de 10 doses/mês apresentou um risco significativamente menor de BHA em comparação com o grupo de não bebedores (OR = 0,64; IC95%: 0,45–0,92). Os outros grupos de frequência de consumo de álcool não mostraram diferença significativa no risco de BHA após o ajuste completo.
Em relação à quantidade de álcool consumida, os quartis intermediários (Q2: 1-6 doses e Q3: 6.25-24 doses) foram associados a um risco menor de BHA em comparação com o quartil de menor consumo (Q1: <1 dose), mesmo após os ajustes. No entanto, o quartil de maior consumo (Q4: >25 doses) não manteve uma associação significativa após o ajuste completo.
Os resultados indicam que a proporção de indivíduos com sintomas de BHA foi notavelmente maior entre os não bebedores. À medida que a frequência de consumo de álcool aumentava, a incidência de BHA tendia a diminuir, atingindo seu ponto mais baixo na faixa de 5-10 doses/mês.
Conclusão do Trabalho
Os achados revelaram uma associação significativa entre o consumo de álcool e a incidência de BHA na população estudada. Indivíduos com maior consumo de álcool, quando apropriado, foram associados a um menor risco de BHA em comparação com não bebedores e aqueles no quartil de menor consumo. Em termos de efeitos a longo prazo, o álcool pode não ser um fator de risco para BHA e, possivelmente, pode até atuar como um fator protetor. Esses resultados sugerem que o consumo de álcool pode ser um alvo para intervenções na redução do risco e da gravidade dos sintomas de BHA, embora a causalidade não possa ser estabelecida por um estudo transversal e a confirmação seja necessária em grandes ensaios clínicos.
Comentário Editorial
Este estudo transversal, utilizando uma grande base de dados populacional (NHANES), apresenta achados que podem desafiar algumas percepções comuns sobre a relação entre o consumo de álcool e a bexiga hiperativa (BHA). A observação de que não bebedores apresentaram maior prevalência de BHA, e que um consumo moderado a alto (mais de 10 doses/mês ou nos quartis intermediários de quantidade) pode estar associado a um menor risco de BHA, sugere uma complexidade maior do que a simples correlação entre o efeito diurético do álcool e a exacerbação dos sintomas.
Para a prática clínica, esses resultados indicam que a recomendação generalizada de restrição completa de álcool para pacientes com BHA pode precisar ser reconsiderada, ou pelo menos individualizada. Em vez de uma proibição absoluta, uma discussão sobre padrões de consumo e a potencial ausência de malefício (e talvez até benefício) em certos níveis de ingestão pode ser mais apropriada. É fundamental, contudo, que esta informação seja utilizada com cautela. A BHA é multifatorial, e a influência de comorbidades e outros fatores de estilo de vida, como o consumo de cafeína (não avaliado neste estudo), ainda é relevante. Pacientes que percebem seus sintomas de BHA piorarem com o consumo de álcool devem, obviamente, evitar ou reduzir a ingestão.
- Mecanismos Biológicos: É crucial investigar os mecanismos subjacentes que poderiam explicar a aparente associação inversa entre o consumo de álcool e o risco de BHA observada neste estudo. Seria interessante explorar como o álcool pode modular a fisiologia da bexiga, a sensibilidade dos nervos ou o microbioma urinário/intestinal, por exemplo.
- Estudos Longitudinais e Ensaios Clínicos: Dada a natureza transversal deste trabalho, que impede o estabelecimento de causalidade, são necessários estudos longitudinais prospectivos e ensaios clínicos randomizados para confirmar se o consumo de álcool (em níveis específicos) realmente tem um efeito protetor ou não deletério sobre a BHA. Estes estudos poderiam também ajustar para variáveis não capturadas no NHANES, como o tipo de bebida alcoólica e a presença de outras condições como ansiedade ou depressão, que podem influenciar tanto o consumo de álcool quanto os sintomas de BHA.
- Heterogeneidade da População: Explorar se a associação observada varia em diferentes subpopulações (por exemplo, por idade, sexo, presença de outras comorbidades urológicas ou neurológicas) pode fornecer insights mais refinados para a prática clínica e para futuras diretrizes.
Referência
Zhang Y, Qin W. Relationship between alcohol use and overactive bladder disease: a cross-sectional study of the NHANES 2005–2016. Front Public Health. 2025 Jan 3;12:1418117. doi: 10.3389/fpubh.2024.1418117.
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