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O Dilema Clínico da Bexiga Hiperativa: Uma Abordagem Individualizada

Autores do Artigo: 

Oliver Gross, Marcio A. Averbeck, Stefania Musco, Véronique Phé, Desiree Vrijens, Blayne Welk, Glenn T. Werneburg, Thomas M. Kessler

Journal

British Journal of Urology International

Data da publicação

Outubro 2025

Autor do Resumo

Editor de Seção

  

Introdução

A bexiga hiperativa (BH) é uma condição crônica e debilitante que afeta milhões de indivíduos em todo o mundo, caracterizada por urgência urinária, com ou sem incontinência de urgência (IUU), geralmente acompanhada de frequência urinária e noctúria. Seu manejo é complexo e requer uma abordagem individualizada, considerando a heterogeneidade dos sintomas, a resposta variável às terapias e as expectativas dos pacientes. Este artigo, apresentado como um "Dilema Clínico" do British Journal of Urology, explora o processo de tomada de decisão terapêutica para pacientes com BH refratária, utilizando um caso clínico detalhado para ilustrar as diversas opções de tratamento e as considerações envolvidas na escolha da terapia mais adequada.

Objetivo

O objetivo deste "Dilema Clínico" é apresentar um caso de paciente com bexiga hiperativa refratária para discutir e ilustrar as opções diagnósticas e terapêuticas disponíveis, com ênfase na tomada de decisão compartilhada e na progressão da terapia escalonada, abordando desde as intervenções comportamentais até as terapias neuromodulatórias e cirúrgicas.

Desenho do estudo

Trata-se de um artigo de "Dilema Clínico", que consiste em uma discussão narrativa e baseada em evidências em torno de um caso clínico fictício, projetado para explorar as complexidades do diagnóstico e tratamento da bexiga hiperativa. O formato permite uma análise aprofundada das opções terapêuticas e das lições clínicas.

Número de pacientes

O artigo centraliza-se em um caso clínico detalhado de uma paciente.

Materiais e Métodos

O artigo utiliza um caso clínico ilustrativo para discutir o manejo da bexiga hiperativa. Os "materiais e métodos" aqui se referem aos exames diagnósticos realizados na paciente do caso e às descrições das abordagens terapêuticas discutidas pelos autores.
 
Apresentação do Caso Clínico: Uma mulher de 36 anos procurou atendimento com uma história de 15 meses de urgência urinária incômoda e incontinência urinária de urgência (IUU). Ela relatava 12 micções diurnas e no máximo um episódio noturno. A urgência era pronunciada e ocasionalmente acompanhada de IUU, especialmente em ambientes estressantes ou desconhecidos. A paciente negava disúria, hematúria ou dor pélvica. Seu histórico médico era sem particularidades, sem cirurgias urológicas prévias ou história de infecções do trato urinário (ITUs) recorrentes. Nulípara, ela não fazia uso de medicações e negava tabagismo ou ingestão excessiva de cafeína. O exame físico, incluindo avaliação neurológica focada e inspeção do assoalho pélvico, era normal.
Testes Diagnósticos Realizados na Paciente:
  • Urofluxometria: Demonstrou um fluxo máximo de 10 mL/s e um volume miccional total de 265 mL.
  • Resíduo pós-miccional (RPM): Medido em 65 mL.
  • Diário miccional de 3 dias: Indicou uma média de 12 micções por 24 horas, com uma micção noturna. O volume médio miccional foi de 195 mL (variando de 80 a 310 mL). Todas as micções eram acompanhadas de uma sensação moderada a forte de urgência. A ingestão total de fluidos foi de 1700 mL/24h.
  • Análise de urina: Não revelou evidência de infecção.
  • Cistoscopia: Mostrou anatomia uretral e vesical normal, sem sinais de inflamação, tumor ou trabeculação.
  • Videourodinâmica: Confirmou a incontinência devido à hiperatividade detrusora. A capacidade vesical estava dentro dos limites normais, com pressões detrusoras máximas durante a fase de armazenamento de 52 cmH2O. O estudo pressão-fluxo não evidenciou obstrução.
Condutas e Opções de Tratamento Discutidas:
1. Terapia Comportamental (Inicial):
  • Descrição: Inclui treinamento vesical com micção cronometrada, modificação da ingestão de fluidos (redução de irritantes vesicais e otimização de volume), técnicas de supressão de urgência (contrações rápidas do assoalho pélvico, respiração profunda, distração mental) e treinamento supervisionado dos músculos do assoalho pélvico. A duração mínima recomendada é de 4 a 8 semanas.
  • Resposta da paciente: Aplicada consistentemente por várias semanas, com melhora apenas marginal.
2. Farmacoterapia:
  • Agonistas beta-3 (Mirabegron e Vibegron): São considerados a primeira linha de tratamento oral. São bem tolerados e apresentam eficácia similar aos antimuscarínicos.
  • Antimuscarínicos: São eficazes, mas frequentemente associados a efeitos colaterais anticolinérgicos, como boca seca, constipação e potencial efeito cognitivo.
  • Resposta da paciente: Mirabegron foi bem tolerado, mas não resultou em redução relevante de urgência e IUU. Dois antimuscarínicos diferentes foram descontinuados após poucos dias devido à boca seca severa.
  • Terapia combinada: A combinação de antimuscarínico com agonista beta-3 demonstrou ser superior à monoterapia, com um perfil de segurança aceitável.
3. Toxina Botulínica Intradetrusora (OnabotulinumtoxinA - Botox 100U):
  • Descrição: Aprovada pelo FDA desde 2013. Espera-se uma redução de ≥50% na urgência, IUU e frequência miccional em 12 semanas. A duração média do efeito é de 6 a 9 meses. Injeções repetidas mostram eficácia e segurança sustentadas.
  • Preocupações principais: Risco de infecções do trato urinário (ITUs) e retenção urinária transitória. Pode ser realizada antes de uma concepção planejada.
4. Neuromodulação:
  • Estimulação transcutânea e percutânea do nervo tibial (PTNS/TTNS): Abordagens não-invasivas de neuromodulação.
  • Neuromodulação Sacral (SNM): Envolve a estimulação elétrica permanente da raiz nervosa S3 (ou S4).
  • Vantagens da SNM: Oferece melhora sintomática sustentada, e a fase de teste é reversível, tornando-a particularmente atraente para pacientes jovens.
  • Considerações em mulheres em idade reprodutiva: Não há dados que confirmem a segurança fetal, e a desativação durante a gravidez é geralmente recomendada.
5. Opções Cirúrgicas (Salvamento):
  • Cistoplastia de aumento: Aumenta a capacidade e complacência vesical, mas a evidência de alta qualidade é limitada para BH idiopática.
  • Complicações: Necessidade de cateterismo intermitente, ITUs recorrentes, distúrbios metabólicos e formação de cálculos.
  • Divertimento urinário: Considerado o último recurso após múltiplas falhas terapêuticas.

Desfechos

Os desfechos discutidos no artigo são a redução da frequência urinária, diminuição dos episódios de urgência e incontinência, melhora da qualidade de vida, tolerabilidade e perfil de segurança das diferentes terapias para a bexiga hiperativa.

Resultados

A evolução do caso clínico ilustra os desafios no manejo da bexiga hiperativa refratária:

A paciente relatou melhora apenas marginal com o tratamento conservador. As estratégias comportamentais foram aplicadas consistentemente por várias semanas sem melhora significativa. O mirabegron foi bem tolerado, mas sem redução relevante da urgência e IUU. Dois antimuscarínicos diferentes foram descontinuados devido à boca seca severa. A paciente permaneceu altamente motivada e buscou ativamente os próximos passos. Após discussão de todas as opções, a paciente expressou interesse em um tratamento com melhora significativa de longo prazo sem medicação diária. Ela questionou sobre a terapia com laser vaginal, mas não prosseguiu por falta de elegibilidade para um estudo clínico. A paciente mostrou-se particularmente intrigada pela possibilidade da neuromodulação sacral (SNM) devido à sua reversibilidade e abordagem gradual. Após aconselhamento completo, a paciente concordou em submeter-se à fase de teste para SNM.

Lições e Recomendações Principais Apresentadas pelo Artigo:

  • A bexiga hiperativa é uma condição heterogênea que requer abordagens diagnósticas e terapêuticas individualizadas.
  • Há uma discordância frequente entre os sintomas e os achados urodinâmicos (até 50% dos pacientes com urgência não apresentam hiperatividade detrusora), tornando a urodinâmica essencial para revelar disfunções subjacentes.
  • A escalada da terapia de abordagens comportamentais para farmacológicas e, eventualmente, minimamente invasivas é a pedra angular do manejo.
  • Em casos refratários, a toxina botulínica e a neuromodulação sacral são opções baseadas em evidências e altamente eficazes.
  • Intervenções cirúrgicas são raramente necessárias, mas podem ser consideradas como uma opção de resgate em casos extremos.
  • A tomada de decisão compartilhada e o alinhamento com os valores e expectativas do paciente são essenciais para o sucesso do tratamento.
  • Há uma necessidade contínua de pesquisa nos mecanismos fisiopatológicos da bexiga hiperativa para desenvolver terapias mais precisas e baseadas em mecanismos.

Conclusão do Trabalho

O artigo conclui que o manejo da bexiga hiperativa, especialmente em casos refratários, exige uma compreensão aprofundada das opções terapêuticas e um diálogo contínuo com o paciente. A escalada da terapia, começando com intervenções conservadoras e progredindo para farmacoterapias e abordagens minimamente invasivas como a toxina botulínica e a neuromodulação sacral, deve ser guiada por uma avaliação cuidadosa dos sintomas, impacto na qualidade de vida e expectativas do paciente. A urodinâmica desempenha um papel crucial na elucidação da disfunção subjacente, e a tomada de decisão compartilhada é fundamental para otimizar os resultados do tratamento.

Comentário Editorial

Este dilema clínico oferece uma perspectiva valiosa sobre a complexidade e a natureza individualizada do tratamento da bexiga hiperativa refratária. A discussão detalhada do caso da paciente e sua jornada terapêutica ressalta a importância de uma abordagem escalonada e a necessidade de reavaliar continuamente a eficácia e a tolerabilidade das intervenções. Na prática clínica, o destaque para as terapias comportamentais como primeira linha, seguido pela farmacoterapia com agonistas beta-3 e antimuscarínicos, é um lembrete crucial da sequência padrão de tratamento. A introdução da toxina botulínica e da neuromodulação sacral como opções eficazes para casos refratários oferece esperança para pacientes que não respondem às terapias iniciais.
Olhando para o futuro, a pesquisa contínua na fisiopatologia da bexiga hiperativa pode levar ao desenvolvimento de terapias mais direcionadas e com menos efeitos adversos. Há um campo promissor na identificação de biomarcadores que poderiam prever a resposta a tratamentos específicos, permitindo uma medicina mais personalizada desde o início. Além disso, avanços na tecnologia de neuromodulação, como dispositivos menores e menos invasivos, e o uso de telemedicina para o acompanhamento de pacientes e otimização de terapias comportamentais, prometem transformar o cuidado da BH. A integração de inteligência artificial na análise de diários miccionais e na previsão de resultados terapêuticos também representa uma perspectiva empolgante. Contudo, é fundamental que as novas tecnologias e abordagens sejam avaliadas rigorosamente, mantendo o foco na segurança do paciente e na melhoria de sua qualidade de vida.

Referência

Gross, O., Averbeck, M. A., Musco, S., Phé, V., Vrijens, D., Welk, B., Werneburg, G. T., & Kessler, T. M. (2025). ‘BJUI Clinical Dilemma’: the overactive bladder. BJU International. DOI: 10.1111/bju.70043

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