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Podemos Melhorar Nossa Avaliação Urológica de Rotina para Excluir Causas Neurogenicas de Disfunção do Trato Urinário Inferior? ICI-RS 2024

Autores do Artigo: 

Marcus J. Drake, Salvador Arlandis, Marcio A. Averbeck, Enrico Finazzi Agrò, Claire Hentzen, Giovanni Mosiello, Jalesh Panicker, Matthew Smith, Katie Webb.

Journal

Neurourology and Urodynamics

Data da publicação

Fevereiro 2025

Autor do Resumo

Editor de Seção

  

Introdução

Sintomas ou disfunções do trato urinário inferior (LUTS/DTUI) podem, em certos casos, ser a primeira manifestação de uma condição neurológica ainda não diagnosticada. Um reconhecimento mais ágil dessas condições neurológicas é fundamental para otimizar o prognóstico e os resultados dos pacientes. Este artigo, produto de um think-tank da International Consultation on Incontinence Research Society (ICI-RS) de 2024, examina o processo clínico para identificar a contribuição neurológica ou autonômica não diagnosticada por trás dos sintomas urinários, e as implicações que isso acarreta para o quadro clínico geral do paciente.

Objetivo

O objetivo central deste trabalho foi analisar o percurso clínico para identificar a presença de uma contribuição neurológica ou autonômica não diagnosticada que esteja precipitando os sintomas urinários, e quais as implicações dessa identificação para o prognóstico. O estudo busca, com a conscientização, promover um diagnóstico mais precoce, visando aprimorar os resultados e o prognóstico dos pacientes.

Desenho do estudo

Trata-se de uma revisão narrativa, que sintetiza as discussões e conclusões de um grupo de especialistas reunidos no think-tank da International Consultation on Incontinence Research Society (ICI-RS) em 2024. O trabalho se concentra na análise do percurso clínico para identificar causas neurogênicas ou autonômicas ocultas de disfunções do trato urinário inferior, ponderando o impacto no diagnóstico e no prognóstico. Não se configura como um estudo clínico original envolvendo pacientes, mas sim como uma compilação e debate de conhecimentos e lacunas existentes na área.

Materiais e Métodos

O método utilizado para este artigo foi a reunião e o consenso de um painel de especialistas durante o think-tank da ICI-RS em 2024. Eles avaliaram a jornada clínica para identificar contribuições neurológicas ou autonômicas subjacentes em pacientes com sintomas urinários.
As discussões abrangeram pontos-chave da avaliação urológica e neurológica:

  • Avaliação abrangente: Foi enfatizada a necessidade de uma avaliação detalhada que se estenda além dos sintomas urinários, incluindo também as disfunções intestinais e sexuais, que frequentemente coexistem em cenários neurogênicos.
  • Risco de diagnóstico perdido: O grupo abordou o potencial de não diagnosticar condições neurogênicas congênitas e pediátricas adquiridas, que podem se manifestar na vida adulta com sintomas relacionados ao crescimento ou síndrome da medula presa.
  • Exame neuro-urológico: Discutiu-se o valor do exame físico, particularmente a avaliação dos reflexos sacrais e das sensações pélvicas, como indicadores de um mecanismo neurológico, apesar de suas sensibilidade e especificidade ainda não serem completamente conhecidas.
  • Ferramentas de rastreamento: Considerou-se a aplicabilidade das ferramentas de rastreamento existentes, que são muitas vezes específicas para um sistema ou população, e a necessidade de desenvolver novas.
  • Achados urodinâmicos: Foi analisada a importância de incluir os resultados do exame neuro-perineal nos relatórios urodinâmicos para aprimorar a interpretação e corroborar uma etiologia neurológica. Também foram discutidos padrões urodinâmicos sugestivos de lesões neurológicas.
  • Neuroimagem por não neurologistas: Houve um debate sobre a adequação e as implicações de profissionais não neurologistas solicitarem exames de neuroimagem, como a ressonância magnética.
  • Disfunções autonômicas: Reconheceu-se o papel significativo dos distúrbios autonômicos na etiologia dos LUTS/DTUI e sua possível manifestação precoce.

A partir dessas discussões, o grupo priorizou as principais questões de pesquisa e lacunas no conhecimento atual.

Desfechos

Os desfechos almejados pelo think-tank foram:

  • Aprimorar a capacidade de reconhecimento e diagnóstico precoce de condições neurológicas ocultas que causam LUTS/DTUI.
  • Refinar as ferramentas de avaliação clínica e urodinâmica para identificar a etiologia neurogênica dos sintomas.
  • Debater e propor diretrizes para o encaminhamento adequado e oportuno a neurologistas, bem como para o uso de neuroimagem por profissionais não neurologistas.
  • Identificar as questões de pesquisa mais urgentes para avançar o conhecimento na área de disfunção neurogênica do trato urinário.

Resultados

Os resultados do think-tank da ICI-RS de 2024 reforçam a necessidade de uma alta suspeita clínica para a identificação de uma etiologia neurológica subjacente em pacientes com sintomas do trato urinário inferior (LUTS/DTUI).

  • Diagnóstico Subestimado: O potencial de um diagnóstico perdido de disfunção neurogênica do trato urinário inferior congênita ou pediátrica adquirida é subestimado. Essas condições podem se manifestar tardiamente, muitas vezes durante períodos de crescimento, devido à síndrome da medula presa, e podem apresentar sintomas urinários como única manifestação inicial.
  • Avaliação Abrangente Essencial: Uma história clínica completa deve ir além dos LUTS, incluindo a avaliação de disfunções intestinais e sexuais, pois a coexistência de problemas em múltiplos órgãos pélvicos é um forte indicativo de um distúrbio neurológico. A presença de sintomas como dormência, fraqueza, alterações na fala ou na marcha, e sintomas autonômicos deve ser investigada.
  • Exame Neuro-urológico: A inclusão da avaliação dos reflexos sacrais (bulbocavernoso e anal) e das sensações pélvicas no exame físico é fundamental. Embora a sensibilidade e especificidade deste exame ainda não sejam totalmente definidas, a identificação de assimetrias ou ausências dessas respostas deve ser considerada anormal. Recomenda-se incorporar os achados do exame neuro-perineal nos relatórios urodinâmicos para uma melhor interpretação e para fortalecer a suspeita de uma etiologia neurológica.
  • Urodinâmica como Ferramenta Auxiliar: Testes urodinâmicos podem revelar anormalidades que indicam fortemente uma lesão neurológica, como o comprometimento do mecanismo do esfíncter uretral proximal em homens (colo vesical aberto) ou a dissinergia detrusor-esfincteriana externa parcial. No entanto, a hiperatividade do detrusor, a arreflexia do detrusor ou a ausência de sensação isoladamente não são diagnósticas de doença neurológica. Uma complacência detrusora reduzida e uma alta pressão de ponto de vazamento do detrusor (DLPP > 40 cmH2O) são indicadores importantes de um mecanismo neurológico.
  • Benefícios do Diagnóstico Precoce: Um diagnóstico precoce de uma condição neurológica está associado a melhores resultados clínicos, especialmente em casos de distúrbios espinais estruturais (como estenose lombar ou fístula arteriovenosa dural espinhal) e doenças como Esclerose Múltipla, que podem se beneficiar de terapias modificadoras da doença.
  • Neuroimagem: Debate e Colaboração: O consenso da ICS não endossa que não especialistas liderem a solicitação de exames de neuroimagem, citando riscos de exames incompletos e achados incidentais. Contudo, em situações de disfunção neurogênica do trato urinário inferior isolada, a RM da medula espinhal é frequentemente o primeiro exame solicitado por neurologistas, sugerindo que uma solicitação antecipada por urologistas poderia otimizar o fluxo de atendimento, especialmente ao identificar problemas estruturais tratáveis. O trabalho enfatiza a importância de equipes multidisciplinares e da comunicação entre especialidades.
  • Disfunções Autonômicas: Apesar de não terem sido o foco principal do consenso da ICS, os distúrbios autonômicos são reconhecidos por seu papel crucial na função do trato urinário inferior e podem ser a primeira manifestação de doenças neurológicas, como a Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), que pode se apresentar com retenção urinária. A anamnese e o exame físico devem incluir a investigação de sinais autonômicos.
  • Prioridades de Pesquisa Futura: O think-tank identificou questões de pesquisa essenciais, incluindo a validação do exame neuro-urológico para diagnóstico de doenças neurológicas ocultas, o desenvolvimento de ferramentas de rastreamento/escores de risco baseados em sintomas de órgãos pélvicos e a avaliação da adequação de profissionais não neurologistas solicitarem investigações neurológicas.

Conclusão do Trabalho

O artigo conclui que os profissionais de saúde devem manter um alto índice de suspeita para uma condição neurológica subjacente aos sintomas do trato urinário inferior. Em casos de suspeita de um mecanismo neurológico, uma avaliação detalhada que inclua disfunções intestinais e sexuais é crucial. O encaminhamento ágil à neurologia pode prevenir a progressão da doença. Pesquisas futuras são necessárias para validar o exame neuro-urológico no diagnóstico de doenças neurológicas ocultas, desenvolver ferramentas de rastreamento/escores de risco e definir a adequação da solicitação de investigações neurológicas por não especialistas.

Comentário Editorial

Este artigo, emanado do think-tank da ICI-RS, oferece uma perspectiva instigante e prática para a abordagem das disfunções do trato urinário inferior na urologia. A sua relevância é inegável, especialmente para profissionais experiência em urologia funcional e urodinâmica, atuando na interface entre a urologia e a neurologia. O texto realça a constante necessidade de ir além do óbvio e de considerar a complexidade das interconexões fisiopatológicas.

Usos Práticos para a Clínica:

  • Expansão da Anamnese: A recomendação de incluir sistematicamente perguntas sobre disfunções intestinais e sexuais na anamnese de pacientes com LUTS é um convite à prática mais integrativa. Esta abordagem permite identificar padrões que podem indicar uma etiologia neurológica, direcionando melhor a investigação e o manejo. Para o urologista que lida com incontinência urinária feminina e sintomas miccionais masculinos, a busca por essa "tríade pélvica" pode ser decisiva.
  • Valorização do Exame Físico Específico: O artigo reforça o papel do exame neuro-perineal, com a avaliação dos reflexos sacrais e da sensibilidade pélvica. Embora a validade precisa ainda esteja em estudo, a assimetria ou a ausência desses achados deve servir como um alerta para a necessidade de investigação aprofundada. Para os relatórios urodinâmicos, a incorporação desses dados pode enriquecer significativamente a interpretação, fornecendo um panorama mais completo da condição do paciente.
  • Interpretação Urodinâmica Contextualizada: Entender que certos achados urodinâmicos, como a abertura do colo vesical sem histórico cirúrgico ou a dissinergia detrusor-esfincteriana, são mais sugestivos de uma lesão neurológica, é fundamental. Da mesma forma, a alta pressão de perda do detrusor e a baixa complacência são sinais de alerta para a saúde do trato urinário superior, reforçando a importância de uma análise urodinâmica cuidadosa e bem fundamentada.
  • Atenção aos Sinais Autonômicos: O destaque dado aos distúrbios autonômicos como uma possível causa primária de LUTS, exemplificado pela Atrofia de Múltiplos Sistemas, sublinha a importância de considerar esses sinais em sua prática diária, como hipotensão ortostática ou olhos secos, que podem ser a ponta do iceberg de uma condição neurológica subjacente.

Perspectivas Futuras e Implicações:

  • Inovação em Ferramentas Diagnósticas: As lacunas de pesquisa apontadas pelo estudo, especialmente a necessidade de desenvolver ferramentas de rastreamento e escores de risco baseados em sintomas pélvicos, representam uma área promissora. Envolver-se na validação ou criação dessas ferramentas pode transformar o diagnóstico precoce e o fluxo de encaminhamento para a neurologia.
  • Aprimoramento da Capacitação Profissional: O artigo sugere a demanda por treinamentos mais específicos e padronizados para urologistas na execução e interpretação do exame neuro-urológico, e como integrar esses dados de forma eficaz nos relatórios de urodinâmica.
  • Diálogo Interdisciplinar sobre Neuroimagem: A discussão sobre a solicitação de neuroimagem por não neurologistas é complexa, mas o potencial de otimização no caminho do paciente, especialmente na identificação de condições estruturais tratáveis da medula espinhal, deve incentivar a colaboração estreita com a neurologia. 
  • Roteiro para Pesquisa Clínica: As questões de pesquisa prioritárias delineadas neste think-tank oferecem um roteiro claro para futuras investigações que podem preencher importantes lacunas de conhecimento. 

Referência

Drake MJ, Arlandis S, Averbeck MA, et al. Can We Improve Our Routine Urological Assessment to Exclude Neurogenic Causes for Lower Urinary Tract Dysfunction? ICI‐RS 2024. Neurourology and Urodynamics. 2025;1-7. DOI: https://doi.org/10.1002/nau.70028

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