Pembrolizumabe associado à quimioterapia à base de platina em câncer de pênis avançado: estudo HERCULES (LACOG 0218)
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Introdução
Em setembro de 2025 foi publicado online na revista JAMA Oncology o estudo HERCULES (LACOG 0218), que avaliou a adição de pembrolizumabe à quimioterapia à base de platina como tratamento de primeira linha em pacientes com carcinoma espinocelular de pênis avançado. A hipótese era que combinar imunoterapia com quimioterapia dupla poderia aumentar a taxa de resposta objetiva e prolongar a sobrevida, mantendo um perfil de toxicidade manejável em uma doença rara e historicamente órfã de alternativas sistêmicas eficazes. O estudo demonstrou taxas de resposta em torno de 40% e mediana de sobrevida global próxima de 10 meses, em uma coorte predominantemente metastática. Confira abaixo mais detalhes do estudo:
Objetivo
Avaliar a eficácia (taxa de resposta objetiva) e a segurança da combinação de pembrolizumabe com quimioterapia à base de platina como primeira linha em pacientes com carcinoma espinocelular de pênis avançado, recorrente ou localmente avançado não passível de tratamento com intenção curativa.
Desenho do estudo
Estudo de fase 2, braço único, não randomizado, aberto, multicêntrico, conduzido em 11 centros brasileiros, com seguimento planejado de 24 meses. A análise primária considerou a taxa de resposta objetiva de acordo com RECIST 1.1, avaliada pelo investigador, com revisão central como desfecho secundário.
Número de pacientes
Foram incluídos 37 pacientes que receberam pelo menos um ciclo de tratamento (população de segurança). Destes, 4 foram considerados inelegíveis para análise de eficácia por infecção ativa (n=3) ou ter recebido quimioterapia prévia (n=1), compondo uma população total de 33 pacientes para análise de eficácia.
Período de inclusão
Os pacientes foram incluídos entre agosto de 2020 e dezembro de 2022, com mediana de seguimento de 24,0 meses na data de corte (24 de janeiro de 2024).
Materiais e Métodos
Os pacientes receberam, a cada 3 semanas, fluorouracila 1000 mg/m²/dia em infusão contínua nos dias 1 a 4, cisplatina 70 mg/m² intravenosa no dia 1 (ou carboplatina AUC 5, a critério do investigador) e pembrolizumabe 200 mg intravenoso no dia 1, por até 6 ciclos. Na ausência de progressão ou toxicidade inaceitável, o tratamento prosseguia com pembrolizumabe 200 mg intravenoso a cada 3 semanas como manutenção, por até 34 ciclos. A avaliação radiológica foi realizada a cada 6 semanas, e respostas objetivas demandavam confirmação por nova imagem após ao menos 4 semanas. Eventos adversos foram graduados segundo CTCAE v5.0, e qualidade de vida foi avaliada com o questionário EORTC QLQ-C30 em visitas seriadas.
Desfechos
O desfecho primário foi a taxa de resposta objetiva (resposta completa ou parcial confirmada) avaliada pelo investigador segundo RECIST 1.1. Desfechos secundários incluíram taxa de resposta objetiva por revisão central, taxa de benefício clínico (resposta ou doença estável por ≥24 semanas), duração de resposta, sobrevida livre de progressão, sobrevida global, segurança e qualidade de vida. Análises exploratórias avaliaram biomarcadores, incluindo expressão de PD-L1 (combined positive score), status de HPV (p16/HPV16), carga mutacional tumoral, status de mismatch repair e perfil genômico por sequenciamento de nova geração.
Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes
Foram elegíveis homens com 18 anos ou mais, carcinoma espinocelular de pênis histologicamente confirmado e doença metastática, localmente avançada (T qualquer N3M0 ou T4N qualquer M0 segundo AJCC 8ª edição) ou recorrente, não passível de tratamento com intenção curativa. Exigiam-se doença mensurável por RECIST 1.1, ECOG 0–1, expectativa de vida ≥12 semanas e função orgânica adequada. Não era permitido tratamento sistêmico prévio para doença avançada, exceto quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante concluída há pelo menos 12 meses. Entre os principais critérios de exclusão, destacaram-se infecção ativa, quimioterapia prévia recente para doença avançada, ausência de amostra tumoral para biomarcadores e condições clínicas que impedissem o uso seguro de quimioterapia ou imunoterapia.
Resultados
A mediana de idade foi de 55,8 anos, com 73,0% em ECOG 1. A maioria era autodeclarada negra (59%) e nunca fumante (64%); cerca de dois terços tinham doença metastática no momento da inclusão e o restante apresentava recidiva locorregional não ressecável ou doença localmente avançada não passível de tratamento curativo. A maior parte dos tumores expressava PD-L1 (combined positive score ≥1) (78%), enquanto apenas uma minoria apresentava carga mutacional elevada ou deficiência de mismatch repair. HPV16 foi positivo em 27% dos casos.
Na população de eficácia, a taxa de resposta objetiva foi de 39,4% (1 resposta completa e 12 parciais), com benefício clínico em cerca de 45% dos pacientes; pela revisão central, a taxa de resposta foi semelhante. A mediana de sobrevida livre de progressão foi de aproximadamente 5 meses e a mediana de sobrevida global em torno de 10 meses.
Pacientes HPV-positivos e aqueles com maior carga mutacional tiveram taxas de resposta mais altas nas análises exploratórias.
| Biomarcador | Taxa de resposta |
|---|---|
| HPV positivo | 55,6% (IC95% 21,2%-86,3%) |
| HPV negativo | 35% (IC 95% 15,4%-59,2%) |
| TMB-alto | 75% |
| TMB-baixo | 36% |
Eventos adversos relacionados ocorreram na maior parte dos pacientes, com toxicidades grau 3–4 principalmente hematológicas e baixa frequência de eventos imuno-mediados graves, sem óbitos atribuídos ao tratamento.
Conclusão do Trabalho
Este estudo de fase 2 sugere que adicionar pembrolizumabe a um duplo esquema de platina e fluorouracila produz atividade antitumoral relevante em câncer de pênis avançado, com cerca de 40% de respostas e sobrevida global mediana próxima de 10 meses, com perfil de toxicidade manejável para centros experientes. Em um cenário com poucas opções sistêmicas e prognóstico reservado, esses dados apoiam o uso de quimioimunoterapia como opção de primeira linha em pacientes adequadamente selecionados.
Comentário Editorial
Na prática histórica, esquemas apenas com quimioterapia em câncer de pênis avançado, envolvendo duas ou três drogas à base de platina e taxanos, alcançam taxas de resposta em torno de 20–50% e medianas de sobrevida global geralmente abaixo de 1 ano, com toxicidade frequentemente limitante. O estudo HERCULES indica que a combinação de pembrolizumabe com um duplo esquema de platina pode manter uma taxa de resposta competitiva, com sobrevida global mediana próxima à descrita para esquemas mais intensos, mas com uma toxicidade mais compatível com a realidade de muitos pacientes e serviços, especialmente no Brasil. Este sinal de eficácia vai na mesma direção de outros esforços recentes de quimioimunoterapia (por exemplo, estudos com cemiplimabe associado a quimioterapia) e de pequenas séries com inibidores de PD-1 em doença avançada, sugerindo que a imunoterapia provavelmente terá um papel consistente nesse tumor raro, seja em combinação inicial, seja em cenários selecionados por biomarcadores.
Por outro lado, as limitações são claras: desenho de braço único, amostra pequena e heterogênea, ausência de comparador ativo e análises de biomarcadores essencialmente exploratórias. Isso impede afirmar que há ganho real de sobrevida em relação à quimioterapia isolada e não permite, por enquanto, selecionar pacientes com base em HPV, carga mutacional ou PD-L1. Além disso, todos os casos são de centros brasileiros, o que fortalece a aplicabilidade local, mas limita a generalização global.
Em síntese, o HERCULES apoia a consideração de quimioimunoterapia com pembrolizumabe como estratégia razoável de primeira linha para pacientes elegíveis, mas reforça a necessidade de ensaios randomizados comparando diretamente quimioterapia isolada versus quimioimunoterapia e explorando melhor o papel de biomarcadores antes de uma incorporação mais ampla em diretrizes.
Referência
Maluf FC, Trindade K, Preto D, et al. Pembrolizumab Plus Platinum-Based Chemotherapy for Patients With Advanced Penile Cancer: The Nonrandomized HERCULES (LACOG 0218) Clinical Trial. JAMA Oncology. Published online September 18, 2025. doi:10.1001/jamaoncol.2025.3266.

