
A divulgação da cirurgia íntima no Brasil: normas de gênero, dilemas e responsabilidades no campo da cirurgia plástica estética
Autores do Artigo:
Revista
Data da publicação
Autor do Resumo

Editor

Publicação do Resumo
Introdução
Em dezembro de 2021, foi publicado na revista Cadernos de Saúde Pública o artigo “A divulgação da cirurgia íntima no Brasil: normas de gênero, dilemas e responsabilidades no campo da cirurgia plástica estética”. Este ensaio analisa como se constrói socialmente a demanda crescente por labioplastia/ninfoplastia no Brasil, país que lidera o ranking mundial desses procedimentos. A autora discute criticamente como normas de gênero, práticas discursivas e interesses do mercado estético contribuem para a legitimação e promoção dessa cirurgia, muitas vezes baseada em padrões corporais idealizados e sem consenso clínico.
Objetivo
Investigar como se produz e divulga a imagem de crescimento da demanda e do número de cirurgias íntimas (labioplastia/ninfoplastia) no Brasil, e refletir sobre o papel dos profissionais de saúde na promoção desta prática, bem como suas implicações éticas e sociais.
Desenho do estudo
Ensaio analítico fundamentado em revisão de literatura, análise de artigos científicos, materiais da imprensa, conteúdos de divulgação em redes sociais e documentos institucionais. O artigo adota uma abordagem interdisciplinar, cruzando estudos sociais da ciência e da tecnologia, estudos de gênero e antropologia do corpo e da saúde.
Número de pacientes
-
Número de documentos analisados:
-
9 artigos científicos da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica sobre labioplastia (2011-2018).
-
Matérias de imprensa e reportagens publicadas entre 2012 e 2020.
-
Conteúdos de divulgação da SBCP disponíveis em seu site oficial.
Período de inclusão
Publicações e conteúdos entre 2011 e 2021.
Materiais e Métodos
Foram analisados artigos publicados em periódicos científicos (incluindo a Revista Brasileira de Cirurgia Plástica), matérias da imprensa de grande circulação, conteúdos em redes sociais e documentos institucionais da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). O foco foi examinar discursos e práticas que promovem a cirurgia íntima e constroem padrões normativos sobre a genitália feminina.
Desfechos
Desfecho primário:
-
Análise crítica das estratégias de promoção da labioplastia no Brasil e das normas de gênero associadas à prática.
Desfechos secundários:
-
Identificação das contradições e dilemas éticos na promoção e oferta da cirurgia.
-
Discussão sobre a responsabilidade dos profissionais de saúde na coprodução da demanda.
-
Reflexão sobre os impactos sociais e culturais da naturalização da labioplastia como prática estética.
Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes
Critérios de inclusão:
-
Artigos e materiais que abordassem diretamente a cirurgia de labioplastia/ninfoplastia.
-
Fontes que discutissem a divulgação, a demanda e as justificativas para a realização desses procedimentos.
Critérios de exclusão:
-
Materiais que não abordassem a cirurgia íntima ou que não contribuíssem para a análise das práticas discursivas e normativas.
Resultados
O estudo destaca que o Brasil lidera mundialmente o número de labioplastias realizadas, com crescimento expressivo do volume de procedimentos na última década. Apesar dessa expansão, a literatura científica analisada demonstra falta de consenso clínico em relação aos critérios diagnósticos de hipertrofia dos pequenos lábios e às indicações para cirurgia.
A análise dos discursos médicos e midiáticos revela que a promoção da labioplastia se apoia em argumentos relacionados à autoestima, ao bem-estar e à melhoria da vida sexual, reforçando padrões corporais idealizados. A cirurgia é frequentemente apresentada como um procedimento simples, seguro e com alta satisfação das pacientes, embora os riscos e limitações sejam pouco enfatizados.
Os cirurgiões plásticos aparecem como principais agentes na divulgação e legitimação da cirurgia íntima, utilizando canais como redes sociais, imprensa e literatura técnica. Os conteúdos divulgados frequentemente reforçam normas de gênero restritas, associando a aparência da genitália feminina a um ideal estético homogêneo.
O artigo aponta ainda que há escassa problematização, por parte das entidades profissionais e dos próprios cirurgiões, sobre as implicações éticas, sociais e culturais da medicalização da aparência genital. A prática se consolida em um cenário de forte influência do mercado estético e de discursos normativos sobre o corpo feminino.
Conclusão do Trabalho
A promoção da labioplastia no Brasil reflete e reforça normas de gênero que impõem padrões estéticos restritos sobre a aparência da genitália feminina. A prática é sustentada por discursos médicos, midiáticos e mercadológicos que naturalizam a cirurgia como solução para padrões corporais idealizados, minimizando seus riscos e implicações sociais.
O estudo ressalta a necessidade de uma abordagem ética e crítica por parte dos profissionais de saúde, considerando a diversidade corporal e questionando a medicalização de aspectos estéticos da genitália feminina. É fundamental ampliar o debate sobre os limites éticos na oferta de intervenções estéticas íntimas e reforçar a responsabilidade dos profissionais na construção de uma prática mais consciente e respeitosa em relação à autonomia e ao bem-estar das mulheres.
Comentário Editorial
Este ensaio fornece uma análise crítica e relevante sobre o fenômeno crescente da cirurgia íntima no Brasil, destacando como normas de gênero e interesses do mercado estético contribuem para a medicalização da aparência genital feminina. A autora evidencia que, apesar do aumento expressivo de procedimentos como a labioplastia, ainda não há consenso clínico sobre suas indicações e benefícios, o que reforça a necessidade de maior reflexão ética no campo.
Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se a abordagem interdisciplinar e a análise detalhada dos discursos médicos, midiáticos e institucionais que legitimam e promovem a prática. Como limitação, trata-se de uma análise qualitativa baseada em revisão narrativa e análise discursiva, sem levantamento quantitativo sistemático ou avaliação direta da percepção das pacientes.
De forma geral, o trabalho estimula um debate fundamental para a prática em saúde da mulher e cirurgia íntima, chamando a atenção para os riscos de uma abordagem acrítica e comercializada desses procedimentos. Profissionais de saúde devem ser protagonistas na construção de práticas mais éticas, informadas e respeitosas quanto à diversidade corporal feminina.
Referência
Rohden F. A divulgação da cirurgia íntima no Brasil: normas de gênero, dilemas e responsabilidades no campo da cirurgia plástica estética. Cad Saúde Pública. 2021;37(12):e00178021. doi:10.1590/0102-311X00178021.