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Metformina no tratamento do câncer de próstata metastático: resultados negativos do braço M do estudo STAMPEDE

Autores do Artigo

Gillessen et al.

Revista

The Lancet Oncology

Data da publicação

Julho 2025

Autor do Resumo

Editor

Publicação do Resumo

Julho 2025

  

Introdução

Em Julho de 2025 foi publicado na revista The Lancet Oncology o braço M do estudo STAMPEDE, que avaliou o impacto da metformina em pacientes com câncer de próstata metastático hormônio-sensível (mHSPC) tratados com terapia de privação androgênica (ADT). A hipótese era que a metformina, além de mitigar os efeitos metabólicos adversos do ADT, pudesse conferir benefício oncológico. O estudo não encontrou benefício em sobrevida global, embora tenha mostrado melhora em parâmetros metabólicos e uma possível atividade antineoplásica em subgrupo de pacientes com doença de alto volume.

Consulte abaixo a descrição mais detalhada do trabalho:

Objetivo

Avaliar se a adição de metformina ao tratamento padrão com ADT melhora a sobrevida global de pacientes com mHSPC não diabéticos.

Desenho do estudo

Ensaio clínico randomizado, fase 3, plataforma multi-braço (STAMPEDE), aberto e multicêntrico.

Número de pacientes

1874 pacientes com doença metastática.

Período de inclusão

Setembro de 2016 a Março de 2023.

Materiais e Métodos

Pacientes com mHSPC não diabéticos foram randomizados 1:1 para receber ADT com ou sem metformina (850 mg 2x/dia, após titulação). A randomização foi estratificada por hospital de origem, idade, status de performance, tipo de ADT, uso de AINEs, radioterapia planejada e uso de docetaxel ou ARPI (abiraterona, enzalutamida, apalutamida).

Desfechos

O desfecho primário foi sobrevida global e os desfechos secundários incluíram sobrevida câncer-específica, progressão, falha, eventos adversos e parâmetros metabólicos.

Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes

Câncer de próstata metastático hormônio-sensível confirmado por imagem

HbA1c <6,5% (pacientes sem diabetes)

Clearance de creatinina ≥45 mL/min/1,73 m²

Performance status 0–2 (OMS)

Excluídos: pacientes com doença não metastática, diabetes ou contraindicações à metformina

Resultados

A mediana de idade dos pacientes foi de 69 anos, com PSA basal mediano de 84 ng/mL. A maioria apresentava doença metastática de novo (94%), sendo que 82% receberam ADT associado ao docetaxel e apenas 3% iniciaram tratamento com ADT e ARPI. O seguimento mediano foi de 60 meses. A sobrevida global mediana foi de 61,8 meses no grupo controle e de 67,4 meses no grupo tratado com metformina, sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos (HR 0,91; IC95% 0,80–1,03; p=0,15). Da mesma forma, não foram observadas diferenças relevantes nos desfechos de sobrevida específica por câncer de próstata, sobrevida livre de progressão ou sobrevida livre de falha. Em análise de subgrupo pré-especificada, observou-se benefício em sobrevida global entre os pacientes com doença de alto volume tratados com metformina (HR 0,79; IC95% 0,67–0,94; p=0,0072).

Quanto aos desfechos metabólicos, o uso de metformina foi associado à redução significativa no ganho de peso, além de melhora em parâmetros como glicemia, HbA1c, colesterol total e LDL.  Em relação à segurança, eventos adversos grau ≥3 foram ligeiramente mais frequentes no grupo metformina (57% vs. 52%), sendo a diarreia o evento mais comum.

Conclusão do Trabalho

A adição de metformina ao tratamento padrão não resultou em melhora da sobrevida global na população geral com câncer de próstata metastático hormônio-sensível. O possível benefício observado em pacientes com doença de alto volume deve ser considerado exploratório. Ainda assim, a metformina demonstrou efeitos benéficos sobre o perfil metabólico, independentemente do volume de doença, com toxicidade manejável, predominantemente gastrointestinal leve a moderada.

Comentário Editorial

O braço M do estudo STAMPEDE fornece uma resposta definitiva para uma hipótese que por anos gerou interesse na oncologia: a de que a metformina, além de seu uso consolidado no manejo do diabetes, poderia exercer efeitos antitumorais em pacientes com câncer de próstata metastático hormônio-sensível. Trata-se do maior ensaio randomizado já conduzido para investigar essa possibilidade. Apesar do racional biológico plausível e da segurança do fármaco, a adição da metformina ao tratamento padrão com ADT (com ou sem docetaxel ou ARPI) não resultou em benefício significativo de sobrevida global ou em outros desfechos clínicos importantes. No entanto, os dados metabólicos foram notavelmente favoráveis à metformina, com reduções sustentadas em peso, HbA1c, glicemia e lipídios, o que pode ter implicações especialmente relevantes em pacientes com maior risco cardiovascular. Um achado que merece atenção é a possível atividade antitumoral em pacientes com doença de alto volume, onde se observou uma redução estatisticamente significante na mortalidade — embora essa análise, apesar de pré-especificada, deva ser interpretada como exploratória. A maioria dos pacientes do estudo recebeu ADT com docetaxel (>80%), e poucos foram tratados com ARPI (3%), o que limita a extrapolação para o cenário atual de tratamento com ARPI na intensificação. Em suma, não há base para recomendar metformina como estratégia oncológica neste contexto, mas os dados reforçam seu potencial papel como agente mitigador dos efeitos metabólicos do ADT, especialmente em pacientes com alto risco cardiometabólico.

Referência

Gillessen S, Murphy L, James ND, et al. Metformin for patients with metastatic prostate cancer starting androgen deprivation therapy: a randomised phase 3 trial of the STAMPEDE platform protocol. Lancet Oncol. Published online July 7, 2025. doi:10.1016/S1470-2045(25)00231-1

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