Início > Resumos Comentados > Linfadenectomia padrão ou estendida para câncer de bexiga músculo-invasivo (SWOG S1011)

Linfadenectomia padrão ou estendida para câncer de bexiga músculo-invasivo (SWOG S1011)

Autores do Artigo

Lerner SP et al.

Revista

New England Journal of Medicine

Data da publicação

Outubro 2024

Autor do Resumo

Editor

Publicação do Resumo

Dezembro 2024

  

Introdução

O quanto a linfadenectomia estendida melhora a sobrevida em relação à linfadenectomia padrão durante a cistectomia radical para neoplasia músculo-invasiva permanece incerto. Porém, estudos retrospectivos sugerem que a linfadenectomia estendida apresenta melhor desempenho em relação à sobrevida livre de doença. Muitos centros acadêmicos adotaram a linfadenectomia estendida como padrão, apesar da escassez de dados prospectivos robustos que suportem essa conduta. Para avaliar essa questão, os investigadores do SWOG S1011 realizaram o ensaio clínico randomizado descrito a seguir:

Objetivo

Comparar a sobrevida livre de doença nos pacientes portadores de câncer de bexiga músculo-invasivo submetidos à linfadenectomia estendida vs padrão. 

Desenho do estudo

Ensaio clínico randomizado, 1:1, multicêntrico (36 cirurgiões em 27 centros nos EUA e Canadá), com randomização dos cirurgiões a realizar o procedimento. Cada cirurgião deveria ter realizado no mínimo 50 cistectomias nos últimos 3 anos e cada centro deveria ter realizado no mínimo 30 procedimentos por ano. A randomização foi realizada durante o intraoperatório após definir que não existiam lesões T4b (irressecáveis) ou que estavam presentes linfonodos positivos (se dúvida, eram realizadas biópsias de congelação). 

 

Número de pacientes

Foram recrutados 658 pacientes, dos quais 618 foram randomizados. Após a randomização, 26 pacientes foram excluídos do estudo. Foram incluídos 300 pacientes no grupo linfadenectomia padrão vs. 292 pacientes no grupo linfadenectomia estendida. 

Período de inclusão

Agosto de 2011 a Fevereiro de 2017.

Materiais e Métodos

Grupos de comparação: 

- Linfadenectomia padrão: remoção dos linfonodos ilíacos externos, internos e obturatórios. 

- Linfadenectomia estendida: linfadenectomia padrão + linfonodos ilíacos comum bilateral, região pré-ciática (fossa de Marcille) e linfonodos pré-sacrais. A dissecção poderia ser estendida até a artéria mesentérica inferior para incluir os linfonodos paracavais distais, précavais, pré-aórticos e paraórticos de acordo com a preferência do cirurgião. 

Desfechos

Desfecho primário: sobrevida livre de doença 

Desfechos secundários: sobrevida global, tempo operatório, uso de preservação da função erétil, morbidade e mortalidade intraoperatória, perioperatória e após 90 dias do procedimento, tempo de estadia hospitalar, histologia (urotelial puro vs. misto), contagem de linfonodos, densidade de linfonodos, tratamento com quimioterapia adjuvante e recorrência local ou retroperitoneal.  

Critérios de inclusão e exclusão mais relevantes

Critérios de inclusão: Os pacientes elegíveis deveriam apresentar carcinoma urotelial estadio T2-T4a com dois ou poucos nódulos positivos (N0, N1 e N2), com ou sem variantes histológicas. Era permitido que o paciente tivesse completado quimioterapia neoadjuvante até 70 dias antes do procedimento. Paciente que não realizaram quimioterapia neoadjuvante e que apresentavam estadio patológico T3-T4 ou linfonodos positivos após o procedimento eram recomendados à quimioterapia adjuvante (mas não obrigatório). 

Critérios de exclusão: Os principais critérios de exclusão eram cistectomia parcial prévia, cirurgia pélvica previa que evitaria a linfadenectomia estendida (bypass aortofemoral ou ilíaco) e a inabilidade determinada pelo cirurgião em realizar a linfadenectomia. Radioterapia pélvica previa não era permitida. 

Resultados

Os grupos eram semelhantes do ponto de vista demográfico e 57% dos pacientes receberam quimioterapia neoadjuvante (a maioria baseada em cisplatina). 

O número de linfonodos ressecados foram 24 no grupo linfadenectomia padrão vs. 39 no grupo linfadenectomia estendida, enquanto o número de linfonodos positivos foram 1 e 2, respectivamente. A duração do procedimento, perda sanguinea estimada e tempo de estadia hospitalar favoreceram o grupo de linfadenectomia padrão, embora a taxa de transfusão tenha sido semelhante entre os grupos.  A cirurgia preservadora de nervos (ereção) foi realizada em 32% dos pacientes em cada grupo e foi bilateral na maioria dos pacientes. A derivação urinária também foi similar entre os grupos, sendo a neobexiga realizada em 48% dos pacientes da linfadenectomia padrão vs 47% dos pacientes da linfadenectomia estendida. Em ambos os grupos, 11% dos pacientes realizaram ou reportaram planos de realizar quimioterapia adjuvante. 

A sobrevida livre de doença de 5 anos estimada foi de 56% no grupo estendida vs. 60% no grupo padrão (hazard ratio para recorrência ou óbito, 1.10; IC95%, 0.86 to 1.40; P=0.45). A sobrevida global em 5 anos estimada foi de 59% no grupo estendida vs 63% no grupo padrão (hazard ratio para óbito, 1.13; IC95%, 0.88 to 1.45). 

Eventos adversos grau 3-5 foram reportados em 44% dos pacientes do grupo linfadenectomia padrão vs 54% dos pacientes do grupo estendida.  A maioria dos eventos adversos grau 3 ou maior reportadas foram anemia com necessidade de transfusão sanguínea, infecção do trato urinário, sepse, infecção de sítio cirúrgico, íleo-paralítico e eventos tromboembólicos. A porcentagem de pacientes com evento adverso grau 3-5 ou óbito em 90 dias após cirurgia foi de 44% no grupo linfadenectomia padrão e 55% no grupo linfadenectomia estendida (p=0,01).

Comentário Editorial

A cistectomia apresenta-se como um grande desafio ao urologista e ao paciente tendo em vista aelevada morbi-mortalidade associada ao procedimento. Estratégias que visam melhorar os resultados oncológicos e funcionais são alvo de grande interesse. A recomendação de linfadenectomia pélvica tem se expandido como possível forma de melhorar a sobrevida nessa patologia. Apesar dos dados retrospectivos prévios sugerirem benefício da linfadenectomia estendida, o ensaio clínico SWOG S1011 não demonstrou aumento de sobrevida livre de doença com a linfadenectomia estendida e, como era de se esperar, aumentou a morbidade associada ao procedimento. O desenho robusto, criteriosa seleção dos centros participantes e cirurgiões habilitados a realizar o procedimento são pontos fortes desse estudo que figura hoje como um dos principais sobre o tratamento cirúrgico do câncer de bexiga.

Referência

Lerner SP, et al. Standard or Extended Lymphadenectomy for Muscle-Invasive Bladder Cancer. New England Journal of Medicine 2024; 391:1206-16.

Outros Resumos